sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O blog mudou para: http://ciclagens-rapidas.tumblr.com/

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Ciclagem rápida

Conhecer você é como um sonho. E quem não tem medo de despencar de um sonho? Talvez quem não tenha caído de um antes. Porque sonho é frágil, tipo bola de sabão ou uma pétala boiando na superfície de uma poça.

JUSTIFIQUE SUA RESPOTA

Eu sou isto, não há tantos mistérios em mim quanto pode parecer. Eu sou um pouco de vazio, um pouco de irrealidade, um pouco de dramatizaçao. Eu sou mais espinhos do que flores. Mais para la do que para ca. Mais cinza do que preta ou branca. Eu sou evasão que grita por sentido, um emaranhado de pensamentos sobrepostos, uma sucessão de coitos interrompidos. Eu sou uma borboleta magra de asas muito pesadas .

Eu gosto das coisas que se reorganizam

Ela me deu um buquê de rosas de jornais
Flores feitas de tragédias
Stella sabia como transformar certas coisas sangrentas em beleza
Ela também era uma flor

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Stella,

Eu penso em todas as dores do mundo. Eu penso nos seus olhos se alagando de vermelho.

E vejo mosaicos de cimento e pele. A sua pele, os seus cilhos se espalhando.

Eu penso em coisas que não deveria pensar…

A sua mão esbarrando na minha. A sua mão se partindo no passeio.
Os seus olhos me sorrindo. Os seus olhos se fechando.
Eu sentindo a vibração do seu músculo bombeando sangue.
E então desacelerando devagar.
As suas sardas. O seu rosto respingado, partido, estatelado.
O seus cabelos pretos e a sua alma branca.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O desafio de conviver com a própria mente

Será que um dia fui louca? Talvez. Ou talvez a vida é que seja. Ser louco não é estar quebrado, ou engolir um segredo sombrio. É ser como você ou eu amplificado.
(Susanna Kaysen)



Deram a Johanna Rosier um caderno sem pautas e uma caneta preta. E ela começou a escrever, ignorando os dedos quebrados.
Senti, a princípio, que aqui as noites seriam brancas e os dias, escuros. Trouxe uma pequena bagagem, o suficiente para minha higiene pessoal. Aqui a beleza é tímida, genuína, muito frágil. Por isso ela fica escondida.

Acho que nunca vi tanta variedade de almas em um só saguão - inquietas, enjauladas, fora da órbita, almas cadentes, que vinham e voltavam rápido demais, e outras que haviam ido para sempre. Algumas eram geladas, outras eram pura empatia - mas sempre era distorcido. Seus sentimentos, medos, fobias, ansiedades, suas formas de demonstrar afeto, interesse ou raiva eram sempre demasiados, bordados até as pontas. Não nego o quanto essas pessoas me assombraram e me encantaram ao mesmo tempo.

. . .

Eu era uma incógnita mental no meio de hipérboles.

Eu sabia que havia rios em meu cérebro correndo no sentido contrário, e, de repente, eu comecei a me lembrar de como os rios se formavam e me senti um sedimento abandonado na borda. Li uma vez que rios muito violentos só o são por culpa das margens repressoras. Que margens me espremeram até que o meu sumo viesse parar aqui? Talvez a origem de tudo isso esteja dentro de mim, ou então é só a vida que pensa no sentido contrário. Eu queria que alguém surgisse e me dissesse que, na realidade verdadeira das coisas, os rios sempre correm da juzante para a montante. Que a gente sempre pisou errado, que é no céu que devemos andar, que é a praia que molda as ondas, que não há problema em ser torto. . .

*
Mas lutar contra a retidão só nos torna mais quebrados.
*

Às vezes gostaria de saber como mentes como a minha e a dos meus companheiros fizeram para burlar a seleção natural. Em outras me sinto especial por ter me desviado tão acentuadamente. De qualquer forma é convulsionado, é difícil separar a letra da melodia. Eu nunca consegui de fato. É possível que eu nunca consiga. Esse lugar apenas me fez perceber que é inútil tentar desligar o som.


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Pétala

Eu me acostumei ao barulho das britadeiras, ao pó irritante da cal, a transitar em meio aos entulhos da obra que deixei inacabada. Eu me habituei a desistir de levantar da cama e, com o tempo, desisti também de inventar desculpas para ficar em casa. Acostumei-me às dores nas articulações, a mastigar sempre do lado esquerdo e a dormir com fome.

E eu olhava os pássaros e só via a mim mesma. Via meu reflexo no sol, nas águas, num cardume colorido de peixes pela televisão. E frustrava-me a imperfeição das pessoas. A maior bobagem da vida é olhar para os outros e só ver o que eles não são, um dia disse a minha irmã de alma.

Disseram que sou individualista, pouco amorosa, irresponsável, preguiçosa, arrogante e que sempre falo do que não sei. Disseram que tenhos olhos puxados de Iansã, mas que não sei nada sobre ela. Disseram, disseram...

E eu deixei-me dizer. Percebi que às vezes a única forma de conviver com certas pessoas é ignorando o que elas dizem. Convenci-me de que só preciso me importar com o que realmente vai causar mudanças em mim - e eu conheci muitas pessoas que o fizeram; escrevi suas palavras nos meus manuais desordenados de como viver.

Eu vi muitas dessas pessoas indo embora e me senti, em todas as vezes, como uma flor perdendo as pétalas. Mas, depois da dor e da ausência, eu notei que, bem perto da pétala arrancada, sempre nascia outra. Diferente, mas ainda assim pétala.

E eu aprendi com os livros que a poeira não muda a essência, que o tempo não cura, que o sol só queima por fora e que o passado não pode ser apagado. Aprendi com os cachorros que a vida vale a pena só pela vitória de existir, que o amor só é amor quando você se dá com alegria e esquece de si.

Eu percebi que posso não estar preparada para o ônus que a liberdade traz consigo, mas que mesmo assim mereço a chance de errar, embora isso não precise ser uma desculpa para viver errando.

Enfim, é provável que o tempo me torne mais prudente. E eu tenho um medo terrível do que irei me tornar se isso acontecer.

terça-feira, 19 de julho de 2011

''s.f: repulsão que nos acusa a vista de uma pessoa''

Os olhos dela lembravam olhos de ratazana, brilhavam muito - pura malícia. As mãos sorrateiras - as quais, dizia ela, jeitosas - sempre a consertar algo, lembravam-me uma indelicada lira, enfeitiçada para tocar para sempre uma música envenenada.

E era obcecada por consertar tudo, sempre tentando remendar as coisas, as situações e - o que mais me irritava - as pessoas.

A verdade é que suas mãos eram largas e pesadas e tinha uma maneira lunática, manipuladora e torta de lidar com todos. Às vezes me lembrava muito um filhote de gigante com ares de criança que, por não saber controlar o tônus, esmagava tudo o que tentava tocar.

Mas eu podia ver - nos entreolhares, nas explosões de negações desesperadas, na respiração pesada, nas narinas dilatadas - que ela sabia o quanto sua existência mortificava todo sopro de vida ao redor....

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Ode à cidade que me cuspiu

Terra maldita vermelho sangue
De ladeiras construídas com pedras de julgar
E janelas cheias de olhos
Suas austeras paredes de pedra sabão
Não desinfectam sua gente, não as deixam transpor essa vivência quase morta
De quem existe assim, meio comensal, meio parasita
Nas reentrancias das suas falhas
Exalando preconceitos pelos poros

Cidade que, com frieza soturna, vomitou uma criança sem dar-lhe a luz
E depois tentou afogá-la com palmos de escarlates
Cachoeiras de água benta, hóstias e lúgrubes sermões

*

Mas a criança, como vampira, sugou a moral e desfilou escândalos em frente à matriz
O morro desceu parodiando o sétimo cântico da paróquia
E riu-se, louca de pedra [sabão] e de prazer



Anna Rafaella, nascida em uma cidade do quadrilátero ferrírero.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Ewige Wiederkunft

Quantas vezes você já se viu nesta situação? Como se dentro de você existisse uma bomba relógio, como se o seu sangue fosse nitroglicerina. E então é preciso concentrar todos os seus esforços em manter a estabilidade mínima para que você seja capaz de permanecer inteira por mais alguns segundos.

E você ainda não explodiu, você desativou a bomba, você retomou seus fluidos naturais. Mas você é vitima do eterno retorno, e você é obrigada a concordar que só odeia aquele filósofo porque ele esfregou na sua cara várias verdades sobre a sua própria condição humana e torpe. E, no fundo, você pensava como ele. Você temia o que ele temia. E o pior de tudo é que você é capaz de observar a profecia se concretizando. A bomba voltou a pulsar dentro de você. Tictactictactictactictactictac. A mesma dor, o mesmo medo, o mesmo cheiro da mesma poeira. E então você volta a ser uma criança no escuro.

''E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio.''
(A Gaia)
Eu comeria esse demônio com mil talheres. Eu regurgitaria seu fogo sobre as minhas lembranças e faria com que ele lambesse as cinzas dos meus sonhos. Mas, ao fazê-lo, eu estaria irremediavelmente validando suas palavras, porque você só luta contra aquilo que te atinge de alguma forma. Eu não precisaria revidar se não fizesse diferença.

Eu já vi esse demônio uma vez, eu já devorei sua face fria, eu já o destrui. E agora eu sinto o cheiro acre, eu vejo nuvens pesadas se aglomerando no instante crepuscular. Eu escuto o tilintar do relógio mais alto, sobressalente sobre todos os outros ruídos dessa noite estranha. Eu fico quieta no canto do quarto, porque eu sei que se eu mover os meus dedos dos pés, se eu respirar um pouco mais alto, se eu soluçar, se eu ruir... a porta se abre, a chuva cai, o cheiro me entorpece, o pesadelo acontece.

O eterno retorno.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Cresça e desapareça

Agarrei o paletó azul com os grandes olhos aflitos, um grito de dor ou de socorro - perdão? acredito que não - entrecortado nas pálpebras pesadas. Não diria que não era dor o que ondulou seu rosto cinza. Notei, inclusive, que aquela expressão apiedada era nova e que da face rígida que conheci em minha infância sobrara apenas uma austeridade desgastada que não mais se fazia impor sobre o meu jeito tímido de recorrer a ele. Simplesmente eu não era mais frágil assim como ele não era mais incisivo, embora ainda nos prostrassemos como de costume, apenas por convenção, fosse ela natural ou não. E o silêncio dele cortou meus cílios, murchou meus olhos, chutou meus joelhos.


Não adiantaria. Eu percebi, finalmente, e depois de tanto martelarem meus ouvidos, que eu poderia fazer qualquer coisa, nada o faria reagir a mim.


Eu poderia virar dançarina em uma cabine vermelha no centro da cidade. Eu poderia rasgar o peito e pendurar as carnes no muro da sua casa. Eu poderia beber um copo de cicuta ou arrancar a língua e engasgar com o próprio sangue. Ele permaneceria ali, na poltrona xadrez, diante da televisão, viajando de carro, penteando os cabelos, lendo o jornal de manhã, matando insetos, bebendo cerveja e comendo amendoim, rindo de piadas negras, passando o paletó. O paletó azul ao qual eu me agarrei naquele dia e ele nem tentou afastar-me as mãos, porque eu era pequena demais. Eu não fazia diferença, somada ou subtraída, eu não mudaria nada em sua vida.

''Cresça e desapareça cresça e desapareça cresça e desapareça cresça e desapareça....''

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Conselhos que ninguém seguiu

Minha querida Maya,

Toda euforia é o prelúdio de uma tristeza muito aguda. Então procure sempre o equilibrio, mesmo que isso lhe custe podar as alegrias extremas. Por favor, nao me entenda mal. Não lhe aconselho a viver uma vida morna, liquidando as emoções. O que peço é que você lute com tudo o que puder para manter as suas forças interiores controladas, caso contrário elas te destruirão.

Não suportaria vê-la desmontada em um mar de sensações exarcebadas, essa sinestesia doentia que nos dissimula a razão e entorpece-nos profundamente a alma. Dirão que é justamente o que você deve fazer, e acredito que seja realmente você quem deva decidir até que ponto se permitirá adentrar seu coração e cuspí-lo aos avessos. No entanto, minha pequena, toda a sua origem remonta a mim. E eu sei o quanto me custou tanta entrega. Custou-me a sobriedade,
a lucidez.

Entregue-se, mas guarde a maior parte de você para você mesma. Ame seus olhos de amendoa, seus cabelos ondulados, sua pele indefinida. Não espere alguém chegar para amar o que você tem, Maya. Mas, caso alguém chegue, não volte correndo para dentro de si e se cubra com seu medo e sua insegurança. Deixe que a amem, aceite que você é passível de ser amada.

E sonhe muito. Sonhe sempre, pois a sua imaginação é um presente de uma mente ilimitada, e acredito ser esta o maior tesouro que um ser humano pode ter. Apenas não deixe suas fantasias erodirem o seu psiquismo. A lama de fantasias reduzidas a pó é muito viscosa e carregará consigo os seus alicerces.

O que me debato para dizer, e acabo por não dizer, é tudo sobre lucidez e sanidade. Eu perdi a minha, Maya. Por favor, prometa que você não vai perder a sua.


Avia Rosier
Sem data

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Lucidez distorcida

O pai de Avia não tinha nome.
Nunca a havia olhado nos olhos. E por vezes ela gritou silenciosamente, na esperança de que ele a percebesse. Mas ela era uma aberração aos olhos sensíveis dele. E quando uma imagem é muito chocante, ou você desvia os olhos, ou você a encara indiscretamente. E ele não teve coragem para olhá-la.

O fato é que ele nunca soube como era ter os olhos moles e o coração acelerado. Ele nunca soube que algumas pessoas precisam de mais do que o mundo pode oferecer e que essas pessoas enxergam demais do mundo e são comumente julgadas por isso. E, principalmente, ele nunca soube o que era sentir-se um estranho em meio a sua própria família.

''Eu me chamo Johanna agora, mas isso não muda o fato de eu ainda ter feridas vivas no peito'', um dia disse Avia à psiquiatra, com a qual se tratava da esquizofrenia. ''Me diz, como fugimos da gente mesma? Pensei que os remédios fossem limpar a minha alma desses buracos negros. Mas eu continuo acordando à noite com aquela mulher me olhando. E, por favor, você precisa acreditar em mim, ela sabe de tudo. Ela sabe que ele me feriu, ela sabe o porquê. E ela tem as respostas, mas ela quer algo em troca. Ela sou eu, doutora Lisa?''

Para a maioria das pessoas, ser homem é ser tirano, é ostentar força fisica e usá-la para garantir sua soberania. É nunca chorar, nunca sentir. Para Avia, ser homem era como ser mulher, era apenas ser gente. E gente sente. Se é cruel, não é gente, é monstro. Mas ela nunca o viu como um monstro.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Espiral

Avia era um vulcão encoberto por uma fina camada de costumes e contratos. Ela era aquilo que todos gostariam de esconder, camuflar. Mas quando se expande demais por dentro, é inevitável a explosão...

E ela não temia as chamas, porque já havia vivido o inferno uma, duas, três... sete vezes. Talvez estivesse dentro dela própria e emergisse... então não eram as chamas que a feriam, era a própria incapacidade de impedi-las de se formaram dentro de si. E, uma vez queimada por dentro, fica-se infértil. Infértil. Avia era seca, incapaz. Como controlar seu mundo caótico? É assim que a vítima se torna o agressor, na maioria das vezes. Mas Avia não era vítima nem agressora. Avia era um espinho, uma pedra no sapato da sociedade ou mesmo uma pequena pulga. O estrago que causava era pequeno demais para que alguém fizesse alguma coisa a seu respeito. Então passou a vestir as roupas de Johanna e passou a dizer que se chamava Johanna, porque, se fosse outra pessoa, talvez deixasse de sentir aquele bolo de dores.

Johanna poderia ter entrado naquele prédio de preconceitos e tirado Avia das chamas da insanidade...

Mas Johanna não sentia mais o mundo nessa época. Sua mente já não existia tanto quanto antes, como quando Avia era criança. E, por não sentir, é que Johanna não percebia que Avia era doente e que sua doença degenerava a sua alma, dia após dia. E consumia todo o resto.

Houve uma época em que Johanna não sabia mais seu nome ou quem era, mas trazia tudo de seu passado para as circunstâncias atuais. Ela dizia que o mundo tinha perdido suas flores, que não havia mais crianças, mas projetos de adultos, que eram adestrados como cães de circo. Johanna havia mesmo se esquecido de que nunca gostara de crianças, e agora rogava por elas, defendia-as, talvez por ter, ela própria, se transformado em uma.

Mas Avia era uma raposa que não podia ser adestrada; e ela também não o queria, mas o resto do mundo, o resto do mundo havia deixado Avia daquele jeito. Mas quem era Avia? Sabia que Avia pertencia a ela, mas não sabia por quê. Deveria lembrar e deveria fazer algo para que lembrasse. Não havia fotos, nem vídeos, nem livros com algum perfume que chamasse sua memória de volta. Mas havia uma caixa de remédios, uma caixa branca e preta. Johanna não conseguia ler, já não enxergava nitidez. Comprimidinhos cor de pêssego, eram eles que iriam trazer sua memória de volta. Sua vida de volta.

E dava voltas em volta de si. Parada, dava voltas. E sua vida voltava. Stella. Stella Maris voltou...!