sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Lucidez distorcida

O pai de Avia não tinha nome.
Nunca a havia olhado nos olhos. E por vezes ela gritou silenciosamente, na esperança de que ele a percebesse. Mas ela era uma aberração aos olhos sensíveis dele. E quando uma imagem é muito chocante, ou você desvia os olhos, ou você a encara indiscretamente. E ele não teve coragem para olhá-la.

O fato é que ele nunca soube como era ter os olhos moles e o coração acelerado. Ele nunca soube que algumas pessoas precisam de mais do que o mundo pode oferecer e que essas pessoas enxergam demais do mundo e são comumente julgadas por isso. E, principalmente, ele nunca soube o que era sentir-se um estranho em meio a sua própria família.

''Eu me chamo Johanna agora, mas isso não muda o fato de eu ainda ter feridas vivas no peito'', um dia disse Avia à psiquiatra, com a qual se tratava da esquizofrenia. ''Me diz, como fugimos da gente mesma? Pensei que os remédios fossem limpar a minha alma desses buracos negros. Mas eu continuo acordando à noite com aquela mulher me olhando. E, por favor, você precisa acreditar em mim, ela sabe de tudo. Ela sabe que ele me feriu, ela sabe o porquê. E ela tem as respostas, mas ela quer algo em troca. Ela sou eu, doutora Lisa?''

Para a maioria das pessoas, ser homem é ser tirano, é ostentar força fisica e usá-la para garantir sua soberania. É nunca chorar, nunca sentir. Para Avia, ser homem era como ser mulher, era apenas ser gente. E gente sente. Se é cruel, não é gente, é monstro. Mas ela nunca o viu como um monstro.