quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O desafio de conviver com a própria mente

Será que um dia fui louca? Talvez. Ou talvez a vida é que seja. Ser louco não é estar quebrado, ou engolir um segredo sombrio. É ser como você ou eu amplificado.
(Susanna Kaysen)



Deram a Johanna Rosier um caderno sem pautas e uma caneta preta. E ela começou a escrever, ignorando os dedos quebrados.
Senti, a princípio, que aqui as noites seriam brancas e os dias, escuros. Trouxe uma pequena bagagem, o suficiente para minha higiene pessoal. Aqui a beleza é tímida, genuína, muito frágil. Por isso ela fica escondida.

Acho que nunca vi tanta variedade de almas em um só saguão - inquietas, enjauladas, fora da órbita, almas cadentes, que vinham e voltavam rápido demais, e outras que haviam ido para sempre. Algumas eram geladas, outras eram pura empatia - mas sempre era distorcido. Seus sentimentos, medos, fobias, ansiedades, suas formas de demonstrar afeto, interesse ou raiva eram sempre demasiados, bordados até as pontas. Não nego o quanto essas pessoas me assombraram e me encantaram ao mesmo tempo.

. . .

Eu era uma incógnita mental no meio de hipérboles.

Eu sabia que havia rios em meu cérebro correndo no sentido contrário, e, de repente, eu comecei a me lembrar de como os rios se formavam e me senti um sedimento abandonado na borda. Li uma vez que rios muito violentos só o são por culpa das margens repressoras. Que margens me espremeram até que o meu sumo viesse parar aqui? Talvez a origem de tudo isso esteja dentro de mim, ou então é só a vida que pensa no sentido contrário. Eu queria que alguém surgisse e me dissesse que, na realidade verdadeira das coisas, os rios sempre correm da juzante para a montante. Que a gente sempre pisou errado, que é no céu que devemos andar, que é a praia que molda as ondas, que não há problema em ser torto. . .

*
Mas lutar contra a retidão só nos torna mais quebrados.
*

Às vezes gostaria de saber como mentes como a minha e a dos meus companheiros fizeram para burlar a seleção natural. Em outras me sinto especial por ter me desviado tão acentuadamente. De qualquer forma é convulsionado, é difícil separar a letra da melodia. Eu nunca consegui de fato. É possível que eu nunca consiga. Esse lugar apenas me fez perceber que é inútil tentar desligar o som.


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Pétala

Eu me acostumei ao barulho das britadeiras, ao pó irritante da cal, a transitar em meio aos entulhos da obra que deixei inacabada. Eu me habituei a desistir de levantar da cama e, com o tempo, desisti também de inventar desculpas para ficar em casa. Acostumei-me às dores nas articulações, a mastigar sempre do lado esquerdo e a dormir com fome.

E eu olhava os pássaros e só via a mim mesma. Via meu reflexo no sol, nas águas, num cardume colorido de peixes pela televisão. E frustrava-me a imperfeição das pessoas. A maior bobagem da vida é olhar para os outros e só ver o que eles não são, um dia disse a minha irmã de alma.

Disseram que sou individualista, pouco amorosa, irresponsável, preguiçosa, arrogante e que sempre falo do que não sei. Disseram que tenhos olhos puxados de Iansã, mas que não sei nada sobre ela. Disseram, disseram...

E eu deixei-me dizer. Percebi que às vezes a única forma de conviver com certas pessoas é ignorando o que elas dizem. Convenci-me de que só preciso me importar com o que realmente vai causar mudanças em mim - e eu conheci muitas pessoas que o fizeram; escrevi suas palavras nos meus manuais desordenados de como viver.

Eu vi muitas dessas pessoas indo embora e me senti, em todas as vezes, como uma flor perdendo as pétalas. Mas, depois da dor e da ausência, eu notei que, bem perto da pétala arrancada, sempre nascia outra. Diferente, mas ainda assim pétala.

E eu aprendi com os livros que a poeira não muda a essência, que o tempo não cura, que o sol só queima por fora e que o passado não pode ser apagado. Aprendi com os cachorros que a vida vale a pena só pela vitória de existir, que o amor só é amor quando você se dá com alegria e esquece de si.

Eu percebi que posso não estar preparada para o ônus que a liberdade traz consigo, mas que mesmo assim mereço a chance de errar, embora isso não precise ser uma desculpa para viver errando.

Enfim, é provável que o tempo me torne mais prudente. E eu tenho um medo terrível do que irei me tornar se isso acontecer.