terça-feira, 19 de julho de 2011

''s.f: repulsão que nos acusa a vista de uma pessoa''

Os olhos dela lembravam olhos de ratazana, brilhavam muito - pura malícia. As mãos sorrateiras - as quais, dizia ela, jeitosas - sempre a consertar algo, lembravam-me uma indelicada lira, enfeitiçada para tocar para sempre uma música envenenada.

E era obcecada por consertar tudo, sempre tentando remendar as coisas, as situações e - o que mais me irritava - as pessoas.

A verdade é que suas mãos eram largas e pesadas e tinha uma maneira lunática, manipuladora e torta de lidar com todos. Às vezes me lembrava muito um filhote de gigante com ares de criança que, por não saber controlar o tônus, esmagava tudo o que tentava tocar.

Mas eu podia ver - nos entreolhares, nas explosões de negações desesperadas, na respiração pesada, nas narinas dilatadas - que ela sabia o quanto sua existência mortificava todo sopro de vida ao redor....

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Ode à cidade que me cuspiu

Terra maldita vermelho sangue
De ladeiras construídas com pedras de julgar
E janelas cheias de olhos
Suas austeras paredes de pedra sabão
Não desinfectam sua gente, não as deixam transpor essa vivência quase morta
De quem existe assim, meio comensal, meio parasita
Nas reentrancias das suas falhas
Exalando preconceitos pelos poros

Cidade que, com frieza soturna, vomitou uma criança sem dar-lhe a luz
E depois tentou afogá-la com palmos de escarlates
Cachoeiras de água benta, hóstias e lúgrubes sermões

*

Mas a criança, como vampira, sugou a moral e desfilou escândalos em frente à matriz
O morro desceu parodiando o sétimo cântico da paróquia
E riu-se, louca de pedra [sabão] e de prazer



Anna Rafaella, nascida em uma cidade do quadrilátero ferrírero.