segunda-feira, 6 de junho de 2011

Ewige Wiederkunft

Quantas vezes você já se viu nesta situação? Como se dentro de você existisse uma bomba relógio, como se o seu sangue fosse nitroglicerina. E então é preciso concentrar todos os seus esforços em manter a estabilidade mínima para que você seja capaz de permanecer inteira por mais alguns segundos.

E você ainda não explodiu, você desativou a bomba, você retomou seus fluidos naturais. Mas você é vitima do eterno retorno, e você é obrigada a concordar que só odeia aquele filósofo porque ele esfregou na sua cara várias verdades sobre a sua própria condição humana e torpe. E, no fundo, você pensava como ele. Você temia o que ele temia. E o pior de tudo é que você é capaz de observar a profecia se concretizando. A bomba voltou a pulsar dentro de você. Tictactictactictactictactictac. A mesma dor, o mesmo medo, o mesmo cheiro da mesma poeira. E então você volta a ser uma criança no escuro.

''E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio.''
(A Gaia)
Eu comeria esse demônio com mil talheres. Eu regurgitaria seu fogo sobre as minhas lembranças e faria com que ele lambesse as cinzas dos meus sonhos. Mas, ao fazê-lo, eu estaria irremediavelmente validando suas palavras, porque você só luta contra aquilo que te atinge de alguma forma. Eu não precisaria revidar se não fizesse diferença.

Eu já vi esse demônio uma vez, eu já devorei sua face fria, eu já o destrui. E agora eu sinto o cheiro acre, eu vejo nuvens pesadas se aglomerando no instante crepuscular. Eu escuto o tilintar do relógio mais alto, sobressalente sobre todos os outros ruídos dessa noite estranha. Eu fico quieta no canto do quarto, porque eu sei que se eu mover os meus dedos dos pés, se eu respirar um pouco mais alto, se eu soluçar, se eu ruir... a porta se abre, a chuva cai, o cheiro me entorpece, o pesadelo acontece.

O eterno retorno.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Cresça e desapareça

Agarrei o paletó azul com os grandes olhos aflitos, um grito de dor ou de socorro - perdão? acredito que não - entrecortado nas pálpebras pesadas. Não diria que não era dor o que ondulou seu rosto cinza. Notei, inclusive, que aquela expressão apiedada era nova e que da face rígida que conheci em minha infância sobrara apenas uma austeridade desgastada que não mais se fazia impor sobre o meu jeito tímido de recorrer a ele. Simplesmente eu não era mais frágil assim como ele não era mais incisivo, embora ainda nos prostrassemos como de costume, apenas por convenção, fosse ela natural ou não. E o silêncio dele cortou meus cílios, murchou meus olhos, chutou meus joelhos.


Não adiantaria. Eu percebi, finalmente, e depois de tanto martelarem meus ouvidos, que eu poderia fazer qualquer coisa, nada o faria reagir a mim.


Eu poderia virar dançarina em uma cabine vermelha no centro da cidade. Eu poderia rasgar o peito e pendurar as carnes no muro da sua casa. Eu poderia beber um copo de cicuta ou arrancar a língua e engasgar com o próprio sangue. Ele permaneceria ali, na poltrona xadrez, diante da televisão, viajando de carro, penteando os cabelos, lendo o jornal de manhã, matando insetos, bebendo cerveja e comendo amendoim, rindo de piadas negras, passando o paletó. O paletó azul ao qual eu me agarrei naquele dia e ele nem tentou afastar-me as mãos, porque eu era pequena demais. Eu não fazia diferença, somada ou subtraída, eu não mudaria nada em sua vida.

''Cresça e desapareça cresça e desapareça cresça e desapareça cresça e desapareça....''