Avia era um vulcão encoberto por uma fina camada de costumes e contratos. Ela era aquilo que todos gostariam de esconder, camuflar. Mas quando se expande demais por dentro, é inevitável a explosão...
E ela não temia as chamas, porque já havia vivido o inferno uma, duas, três... sete vezes. Talvez estivesse dentro dela própria e emergisse... então não eram as chamas que a feriam, era a própria incapacidade de impedi-las de se formaram dentro de si. E, uma vez queimada por dentro, fica-se infértil. Infértil. Avia era seca, incapaz. Como controlar seu mundo caótico? É assim que a vítima se torna o agressor, na maioria das vezes. Mas Avia não era vítima nem agressora. Avia era um espinho, uma pedra no sapato da sociedade ou mesmo uma pequena pulga. O estrago que causava era pequeno demais para que alguém fizesse alguma coisa a seu respeito. Então passou a vestir as roupas de Johanna e passou a dizer que se chamava Johanna, porque, se fosse outra pessoa, talvez deixasse de sentir aquele bolo de dores.
Johanna poderia ter entrado naquele prédio de preconceitos e tirado Avia das chamas da insanidade...
Mas Johanna não sentia mais o mundo nessa época. Sua mente já não existia tanto quanto antes, como quando Avia era criança. E, por não sentir, é que Johanna não percebia que Avia era doente e que sua doença degenerava a sua alma, dia após dia. E consumia todo o resto.
Houve uma época em que Johanna não sabia mais seu nome ou quem era, mas trazia tudo de seu passado para as circunstâncias atuais. Ela dizia que o mundo tinha perdido suas flores, que não havia mais crianças, mas projetos de adultos, que eram adestrados como cães de circo. Johanna havia mesmo se esquecido de que nunca gostara de crianças, e agora rogava por elas, defendia-as, talvez por ter, ela própria, se transformado em uma.
Mas Avia era uma raposa que não podia ser adestrada; e ela também não o queria, mas o resto do mundo, o resto do mundo havia deixado Avia daquele jeito. Mas quem era Avia? Sabia que Avia pertencia a ela, mas não sabia por quê. Deveria lembrar e deveria fazer algo para que lembrasse. Não havia fotos, nem vídeos, nem livros com algum perfume que chamasse sua memória de volta. Mas havia uma caixa de remédios, uma caixa branca e preta. Johanna não conseguia ler, já não enxergava nitidez. Comprimidinhos cor de pêssego, eram eles que iriam trazer sua memória de volta. Sua vida de volta.