sexta-feira, 3 de junho de 2011

Cresça e desapareça

Agarrei o paletó azul com os grandes olhos aflitos, um grito de dor ou de socorro - perdão? acredito que não - entrecortado nas pálpebras pesadas. Não diria que não era dor o que ondulou seu rosto cinza. Notei, inclusive, que aquela expressão apiedada era nova e que da face rígida que conheci em minha infância sobrara apenas uma austeridade desgastada que não mais se fazia impor sobre o meu jeito tímido de recorrer a ele. Simplesmente eu não era mais frágil assim como ele não era mais incisivo, embora ainda nos prostrassemos como de costume, apenas por convenção, fosse ela natural ou não. E o silêncio dele cortou meus cílios, murchou meus olhos, chutou meus joelhos.


Não adiantaria. Eu percebi, finalmente, e depois de tanto martelarem meus ouvidos, que eu poderia fazer qualquer coisa, nada o faria reagir a mim.


Eu poderia virar dançarina em uma cabine vermelha no centro da cidade. Eu poderia rasgar o peito e pendurar as carnes no muro da sua casa. Eu poderia beber um copo de cicuta ou arrancar a língua e engasgar com o próprio sangue. Ele permaneceria ali, na poltrona xadrez, diante da televisão, viajando de carro, penteando os cabelos, lendo o jornal de manhã, matando insetos, bebendo cerveja e comendo amendoim, rindo de piadas negras, passando o paletó. O paletó azul ao qual eu me agarrei naquele dia e ele nem tentou afastar-me as mãos, porque eu era pequena demais. Eu não fazia diferença, somada ou subtraída, eu não mudaria nada em sua vida.

''Cresça e desapareça cresça e desapareça cresça e desapareça cresça e desapareça....''