Pensava ser a última vez em que veria o pôr do sol e mais por egoísmo que por comoção aquela cena a espantava com uma angústia e uma saudade sem nome e sem razão, que aos poucos se ia tornando uma ansiedade intensa e violenta e um mal estar localizado nos ossos, ao que o seu espírito se inquietava a tal ponto de não o suportar por muito tempo dentro do próprio corpo. Nesse instante, lembrou-se do sorriso de Stella, o qual havia guardado sob muralhas de arrependimento e mágoas e este tenha sido talvez a última coisa de que se lembrou em vida e também a única coisa que haveria de evocar com a mesma devoção pelo resto de sua existência, mesmo depois que lhe enterrassem os farrapos mortais e lhe cobrissem com terra seca e flores mortas. Por entre as cortinas de vidro muito limpas do hospital, assistia àquela cena, tão enfada ontem e, no entanto, insuportavelmente valorosa naquele instante e, somente então, quis apegar-se ao mundo, mesmo diante da iminência de não mais pertencer a ele, embora pela primeira vez fosse capaz de senti-lo em sua realidade crua. Aquele sol de areia e névoas queimava as bordas da serra do outro lado da parede de vidro, ao mesmo tempo em que queimava-lhe os olhos e a alma. Alma fria, insossa e frívola como uma estátua grega no meio de um deserto de gelo. A morte vinha em forma de noite, para despertar Johanna como a uma morcega de trapos que se havia enfurnado em sua mortalha de velhice precoce. E somente quando despertou da vida descobriu que aquela saudade indigente nada mais era que solidão e que a angústia era apenas o prenúncio da morte, ainda que a morte já viesse infiltrando-se nela e erodindo seus sonhos desde muito antes de adentrar aquele quarto hospitalar.