
Quantas vezes você já se viu nesta situação? Como se dentro de você existisse uma bomba relógio, como se o seu sangue fosse nitroglicerina. E então é preciso concentrar todos os seus esforços em manter a estabilidade mínima para que você seja capaz de permanecer inteira por mais alguns segundos.
E você ainda não explodiu, você desativou a bomba, você retomou seus fluidos naturais. Mas você é vitima do eterno retorno, e você é obrigada a concordar que só odeia aquele filósofo porque ele esfregou na sua cara várias verdades sobre a sua própria condição humana e torpe. E, no fundo, você pensava como ele. Você temia o que ele temia. E o pior de tudo é que você é capaz de observar a profecia se concretizando. A bomba voltou a pulsar dentro de você. Tictactictactictactictactictac. A mesma dor, o mesmo medo, o mesmo cheiro da mesma poeira. E então você volta a ser uma criança no escuro.
''E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio.''Eu comeria esse demônio com mil talheres. Eu regurgitaria seu fogo sobre as minhas lembranças e faria com que ele lambesse as cinzas dos meus sonhos. Mas, ao fazê-lo, eu estaria irremediavelmente validando suas palavras, porque você só luta contra aquilo que te atinge de alguma forma. Eu não precisaria revidar se não fizesse diferença.
(A Gaia)
Eu já vi esse demônio uma vez, eu já devorei sua face fria, eu já o destrui. E agora eu sinto o cheiro acre, eu vejo nuvens pesadas se aglomerando no instante crepuscular. Eu escuto o tilintar do relógio mais alto, sobressalente sobre todos os outros ruídos dessa noite estranha. Eu fico quieta no canto do quarto, porque eu sei que se eu mover os meus dedos dos pés, se eu respirar um pouco mais alto, se eu soluçar, se eu ruir... a porta se abre, a chuva cai, o cheiro me entorpece, o pesadelo acontece.
O eterno retorno.